Como os testes psicológicos / instrumentos psicométricos são feitos? | Psicometria
- Victória Velho Wojtysiak
- há 1 minuto
- 4 min de leitura
Minha pesquisa está traduzindo e adaptando para a população trans brasileira dois instrumentos psicométricos. Agora vale explicar melhor como é o procedimento de tradução e adaptação na psicometria.
Esse post foi originalmente publicado como uma thread no meu Bluesky pessoal.

Vamos pra um pouquinho de divulgação científica sobre psicometria? Thread LONGUÍSSIMA à frente.
Você sabe como os testes psicológicos e os instrumentos psicométricos (os questionários bons, com estudo publicado) são feitos?
Não é magia, é tecnologia. É muita estatística!
Minha pesquisa está traduzindo e adaptando para a população trans brasileira dois instrumentos psicométricos. Agora vale explicar melhor como é o procedimento de tradução e adaptação.
Primeiro que existe a International Test Comission (ITC), que publica diretrizes para a criação e adaptação de testes/instrumentos psicométricos. Originalmente foram criados, de acordo com as diretrizes da ITC, dois instrumentos: o Transgender Identity Survey (TIS) e o Trans and Non Binary Coping Measure (TNCM). Vocês podem pesquisar ambos e vão encontrar os artigos e eles na íntegra.
A minha pesquisa está traduzindo e adaptado ambos. A TIS mede transfobia internalizada e a TNCM mede estratégias de enfrentamento (difícil explicar melhor o que é isso de nome feio em threads, mas confia).
Esses instrumentos são de uso clínico, ou seja, psicólogos (como eu) e psiquiatras podem usar esses questionários para entender melhor o sofrimento de seus pacientes. Isso significa que alguns itens são negativos e falam de sentimentos ruins, mas alguns são positivos, justamente porque estamos medindo algo. Tem lógica, acreditem.

Como eles foram feitos nos Estados Unidos (ou seja, testados com essa população) e escritos em inglês, as evidências mostram que simplesmente traduzir não basta para garantir que as propriedades psicométricas (a capacidade de medir estes construtor psicológicos) estariam mantidas para outras populações, como a brasileira.
Para corrigir isso, a ITC estabeleceu (com muita pesquisa e evidência) que o procedimento de tradução e adaptação deve ter 5 etapas: tradução, avaliação por juízes-experts, avaliação pela população-alvo, estudo-piloto e retradução.
1️⃣ - Na minha pesquisa a tradução foi feita por 3 pessoas trans. Eu e minha orientadora discutimos e comparamos as 3 traduções e decidimos por uma síntese delas, que foi enviada para os juízes-experts.
2️⃣ - Os juízes foram 3 psicólogos experientes em pesquisas como a minha, um deles também trans. Eles avaliaram os questionários quantitativamente e fizeram sugestões de alteração.
3️⃣ - Dessas sugestões nasceu a versão que foi para a população-alvo avaliar (o link que divulguei desde ontem). Essas também tem avaliação quantitativa e pede sugestões de alteração.
4️⃣ - A próxima fase é o estudo-piloto, onde vou entrevistar pessoas trans e conversaremos sobre os itens dos questionários. Essa tem caráter puramente qualitativo e é super relevante pra fazer os últimos ajustes!
5️⃣ - Por fim, a retrotradução é quando a versão final em português-BR é traduzida de volta pro inglês pra ver se conseguimos manter o sentido original. Essa etapa também é feita por 3 pessoas.

Depois de tudo isso pronto vem a coleta de dados final, onde serão apresentados os instrumentos traduzidos e adaptados juntamente com outros instrumentos que já tem evidência de validade no BR e que mensuram construtos (temáticas) semelhantes. O uso destes instrumentos extras é essencial para a análise estatística dos instrumentos pesquisados.
Veja, até aqui falei muito do procedimento e nada da estatística. A verdade é que não vou me aventurar em explicar estatística porque eu sou uma mera psicóloga fazendo esforço pra entender do assunto. Eu conheço as metodologias que eu uso e sei fazer as análises no JASP, mas saber explicar é todo um outro conjunto de habilidades!
Por hora, vou dizer que os questionários de avaliação calculam o Coeficiente de Validade de Conteúdo (CVC), que me indica se um item está aceitável ou inaceitável pra continuar como está. CVC menor do que 0,8 é inaceitável e sou obrigada a olhar para as sugestões para alterar.
Já os instrumentos completos na coleta final terão suas estruturas fatoriais avaliadas mediante Análise Fatorial Confirmatória (AFC) conforme os modelos teóricos de cada instrumento. Ou seja, é essa análise estatística que vai nos dizer se o meu instrumento traduzido está condizente com o instrumento original.
Nesse processo de AFC não é incomum um item ser excluído, por exemplo, porque se viu que algo que fazia sentido nos EUA não faz sentido aqui. Isso AINDA é processo de tradução e adaptação do instrumento!
É BASTANTE trabalho e se nessa etapa de avaliação foram 30 pessoas esperem a próxima, porque pra AFC funcionar o meu mínimo é 500 participantes. Agradeço muito quem ajudou e quem já disse que quer ajudar daqui a pouquinho na próxima etapa!
Espero ter conseguido explicar tudo neste post. Quem ficou com dúvidas sobre a estatística… joga no google. Desculpa! Eu realmente não sou boa em explicar essa parte, mas eu juro que existe extensa literatura sobre o uso desse tipo de análise no tipo de pesquisa que tô fazendo. E se vc é trans e quiser ficar por aqui pra ver a divulgação do questionário final completo e participar me segue, toda ajuda é bem vinda.